Os 50 anos da Imigração Japonesa

No dia 18 de junho de 1908, o navio Kasato Maru aportava em Santos, trazendo os primeiros japoneses a pisar em terras tupiniquins. Com eles, novos costumes, novas técnicas agrícolas e uma filosofia de vida baseada nos valores da cortesia, do esforço e da disciplina. 50 anos mais tarde, os imigrantes japoneses, já respeitados por sua produtividade e pelas inovações que trouxeram à agricultura brasileira, são convidados a cultivar as terras que abasteceriam de alimentos a futura Capital Federal. A convite de Israel Pinheiro, diretor da NOVACAP - companhia urbanizadora de Brasília cinco famílias nipônicas deixam Goiânia para tentar a sorte no meio do nada.

“Uai, se a terra fosse boa, não precisava de japonês”. Foi assim que Israel Pinheiro respondeu Yasutaro Kanegae, patriarca de uma das famílias que aceitaram o desafio de trazer fertilidade à aridez do solo do cerrado. Sobrevoando o Planalto Central de helicóptero, os dois procuravam o melhor lugar para instalar a primeira colônia agrícola do Distrito Federal, no início de 1957. Mas a visão da vegetação seca e retorcida não agradou muito o experiente agricultor.

Apesar de todas as dificuldades, as famílias Kanegae, Hayakawa, Ogawa, Ikeda e Ofuji instalam-se na área hoje conhecida como Riacho Fundo, próxima ao Núcleo Bandeirante – local onde morava parte dos construtores de Brasília. De lá para cá, mais três colônias foram fundadas por japoneses e seus descendentes: Núcleo Bandeirante, Vargem Bonita e Brazlândia. Hoje, Brasília não só é auto-suficiente na produção de hortaliças, mas também as exporta para outros estados, boa parte devido à contribuição desses imigrantes.

“Japonês não tem preguiça”

Dona Fumiko Kanegae, viúva de Yasutaro, é uma prova viva da persistência, disciplina e solicitude nipônicas. Aos 88 anos, a simpática senhora acorda todos os dias às 5 da manhã e vai trabalhar em sua chácara: capina o terreno de dia e pesca depois do almoço. “Japonês trabalha muito, não tem preguiça” - diz - “Deus me deu saúde, então tenho que trabalhar”.

Sua dedicação já lhe rendeu uma série de prêmios e honrarias do governo do DF, entre elas as medalhas de “Honra ao Mérito”, “Mérito Alvorada” e “Ordem do Mérito Brasília”.

Do ventre de dona Fumiko nasceu Heitor, o primeiro nissei – filho de japoneses – nascido em terras candangas. Seu padrinho, ninguém menos que o presidente Juscelino Kubitschek. O batismo foi no próprio sítio dos Kanegae, com direito a churrasco com “toda a japonesada”. Heitor conta que não teve muito convívio com o padrinho por conta da trajetória política de JK – exilado voluntariamente após o golpe de 64.

Dona Fumiko se diverte contando que, ao entregar a primeira colheita de sua família ao presidente, ele teria ficado muito feliz e dito: “Pode chamar mais japoneses!”. Hoje, os 23 hectares da chácara dos Kanegae produzem cerca de uma tonelada de folhagem por dia, metade destinada ao consumo do DF e metade exportada para Manaus.

Começo difícil

Quem vê os olhos brilhantes e o sorriso fácil da matriarca dos Kanegae nem imagina o sofrimento pelo qual ela já passou. Dona Fumiko trabalha desde que deixou o Japão, aos 9 anos de idade, e nunca teve a oportunidade de estudar. Além do trabalho duro, as diferenças culturais e de língua eram apenas mais algumas das dificuldades enfrentadas pelos primeiros imigrantes.

A comida era estranha. Acostumados a uma alimentação leve e frugal, os japoneses penaram para tolerar a comida gordurosa e temperada oferecida por seus patrões. Houve até quem morresse de fome por não agüentar comer o que era oferecido. “Em Bauru eles nos davam pão com mortadela pra comer, mas a gente comia só o pão” – conta Fumiko.

Mas o golpe mais duro contra a comunidade nipônica foi durante a Segunda Guerra Mundial, no governo de Getúlio Vargas. Por serem filhos de um país inimigo, os nipo-brasileiros, que nada tinham a ver com o conflito, sofreram toda sorte de perseguições e humilhações. Suas escolas foram fechadas, suas manifestações culturais, proibidas. A discriminação racial, que sempre estivera presente, voltava com tudo.

Shindo Renmei

O fim da Segunda Guerra trouxe uma situação inédita: nunca antes, em toda a sua história, o Japão havia perdido um conflito armado em seu território. No Brasil, privada da leitura de jornais em japonês desde 1941, a comunidade nipo estava confusa. Vendo na possível vitória de seu país a única solução para as agruras que enfrentavam, um grupo cada vez maior de japoneses passou a alimentar a idéia de que o Japão havia, na verdade, vencido a guerra, e que as notícias da derrota não passavam de propaganda norte-americana.

Assim, os kachigumi, ou “vitoristas”, fundaram a Shindo Renmei, a “Liga do Caminho dos Súditos”, com o objetivo de combater os makegumi, ou “derrotistas” – aqueles que acreditavam na derrota nipônica. Por considerarem os makegumi “traidores da pátria”, os integrantes da Shindo Renmei depredavam suas plantações e os ameaçavam de morte.

Aterrorizada, a maior parte da colônia aderiu ao movimento. Aos “corações sujos”, como eram chamados os supostos traidores, era oferecido o suicídio ritual como forma de “lavar a alma” – resquício da tradição do haraquiri dos samurais. De março de 1946 a janeiro de 1947, quando o movimento foi desmantelado, 23 imigrantes japoneses foram assassinadas pelos “vitoristas”.

Outros tempos

Passados mais de 10 anos do fim dos conflitos, outra era a situação dos nipo-brasileiros que chegavam à futura capital. Convidados diretamente pelo braço direito do Presidente na aventura da construção de Brasília, o maior desafio dos recém-chegados era mesmo domar as terras arredias do cerrado. Vencidos os desafios, os japoneses e seus descendentes encontraram no Planalto Central um lugar ideal para se desenvolver, tanto material como culturalmente.

A comunidade de Vargem Bonita é um exemplo disso. Apesar das chácaras de tamanho reduzido - 4 hectares - a agricultura ainda é a principal fonte de sustento. Mas é na prática das tradições que a vila se destaca.

Atualmente, a Associação Cultural e Esportiva de Vargem Bonita promove aulas de língua japonesa, karate, kendo, taiko e odori. “Kendo” é um esporte baseado na esgrima dos samurais; “taiko” é o nome japonês para tambor e “odori”, uma dança típica. Além dessas atividades, também são praticados dois esportes típicos: softball – versão mais leve do baseball – e gate ball – espécie de pólo, preferido pelos mais velhos.

Existem cerca de 2.200 famílias de japoneses e seus descendentes vivendo no Distrito Federal, 47 em Vargem Bonita. Boa parte delas preocupada em manter vivas algumas das tradições de seus ancestrais.

O Caminho de Volta

A recuperação econômica do Japão após a Segunda Guerra provocou um fato inusitado: os descendentes dos japoneses que vieram ao Brasil há 100 anos atrás começaram a voltar ao país de seus antepassados em busca da mesma coisa: trabalhar, ganhar dinheiro e voltar.

Mas, ao contrário dos primeiros imigrantes japoneses, enganados pelo governo com promessas de riqueza fácil, os dekasseguis – como ficaram conhecidos esses novos imigrantes – encontraram no Japão o que esperavam: empregos monótonos e repetitivos que, no entanto, pagavam muito bem.

Nelson Uema, morador de Vargem Bonita, foi um deles. Em menos de 8 anos trabalhando cerca de 12 horas por dia em um robô da Toshiba, voltou ao Brasil com um patrimônio de 200 mil dólares. O contrapeso foi que, nesse tempo, não fez nada além de trabalhar: “Eu perdi a minha juventude nisso, às vezes nem sabia quando era noite e quando era dia”.

Atualmente, os brasileiros são a terceira maior colônia de estrangeiros no Japão, atrás apenas dos chineses e coreanos: cerca de 300 mil pessoas. Já a maior colônia japonesa fica aqui, no Brasil, com 1,5 milhão de japoneses e descendentes.

Kasato Maru

O navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros imigrantes japoneses ao Brasil, tem uma história peculiar. O vapor de 6 toneladas foi fabricado na Inglaterra, em 1899, e comprado pela Rússia em 1900, com propósitos militares. Em 1904, com a eclosão da guerra russo-japonesa, é usado como navio-hospital e afundado por cinco torpedeiros nipônicos.

Recuperado do fundo do mar e restaurado, passou a servir a Marinha Imperial do Japão como transportador. Em 1906 leva imigrantes para o Havaí, em 1907, para México e Peru e, em 1908, para o Brasil. Em 1930 é convertido em navio pesqueiro e, durante a Segunda Guerra, é transformado em navio cargueiro, sendo afundado em 1945, durante um ataque aéreo norte-americano.

Fotos 3, 4, 8, 9, 10 e 11 tiradas por Tito Barros.