O Pornógrafo Erudito

Professor de Letras da Universidade de Brasília consegue conciliar erudição com irreverência



Uma verdadeira enciclopédia ambulante, com a vantagem de contar com uma boa dose de bom-humor, ironia e sarcasmo. Essa frase talvez seja uma boa descrição de Gilson Sobral, professor do departamento de Letras da UnB que dá aulas de latim, grego e literatura antiga e medieval, entre outros.

Mas nem sempre simpatia e irreverência andam juntas com falta de cobrança. Muito pelo contrário, Gilson é famoso por ser um dos professores mais “carrascos” da universidade. Sempre nos finais de semestre fixa nos corredores do “minhocão” listas contendo de 9 a 16 livros a serem lidos antes do início das aulas. Em sua maioria, obras densas e difíceis, como A República, de Platão, ou Os Lusíadas, de Camões. Suas provas são famosas por perguntar detalhes dos livros, o que impossibilita a “picaretagem” e obriga os alunos a ler.

Tamanha cobrança provoca uma baixa procura por algumas matérias optativas, mas isso não abala em nada a convicção do professor de estar fazendo a coisa certa. Para ele, a exigência é mais do que justificável, uma vez que a universidade é um centro de excelência e deveriam ter acesso a ela apenas privilegiados intelectualmente. “Eu digo sempre aos alunos que nós temos um dever social. A Universidade confere um diploma, mas como decorrência de estudos. O pessoal está desacostumado, desde muito tempo, a ler, a fazer o trabalho intelectual”. “Nem eu finjo que dou aula, nem o aluno finge que estuda” – completa, invertendo o famoso bordão.

Mas para quem acha que erudição e conservadorismo andam de mãos dadas, Gilson Sobral é um balde de água fria. Talvez o auge de sua irreverência tenha sido o lançamento de seu livro Peças Infames – Teatro Pornográfico e Anti-religioso (Editora Foda-se), livro que já na capa traz a imagem de cristo crucificado com uma cabeça de burro. O ambiente foi todo decorado para o evento, com direito a sessões de filme pornô e sorteio de vibradores e vaginas artificiais. “Houve até uma promoção lá na hora de que quem tirasse a roupa ganhava um livro de presente. Quatro rapazes tiraram, mas as moças não quiseram” – diverte-se o professor, que na ocasião vestia uma máscara de pan (figura mitológica grega) e uma bata repleta de gravuras pornográficas das mais diversas culturas.

Apesar da irreverência e do gosto pela quebra de paradigmas, a grande paixão do mestre é mesmo o estudo de obras clássicas. Tanto é que, em 2001, fundou a ONG Círculo de Estudos Clássicos de Brasília (CECB), que semanalmente promove encontros para a leitura e análise dos grandes autores gregos. Há um grupo para a leitura no original e outro para as obras traduzidas.

Sua vocação para as Letras foi descoberta em 1965, enquanto cursava Jornalismo. Já nessa época estudava francês, inglês e romeno, e ficou impressionado com um texto em que o autor comparava as pirâmides com a Ilíada. Para o autor, as pirâmides, por serem feitas de pedra, desapareceriam, mas a Ilíada, por ser um monumento de letras, permaneceria para sempre na memória. Seu professor de romeno notou seu interesse e disse que ele tinha uma inclinação forte para a literatura.

E Foi assim que, em 1968, ingressou no curso de Letras, no qual formou-se em todas as habilitações disponíveis na época: português, inglês, francês e latim. Sua formação acadêmica inclui ainda uma graduação em filosofia, que lhe rendeu o livro Mito e Logos, e um mestrado em Letras, do qual derivou a obra Sacrifício e Diacosmese.

Nos seus esforços em sua área de atuação destaca-se um método próprio para o aprendizado rápido de línguas. Segundo o professor, seu método possibilita leitura fluente em francês ou inglês em apenas 4 meses, com 2 horas diárias de estudo e apenas um encontro semanal. Gilson conta que só não publica as gramáticas formuladas por ele por falta de financiamento.

Já no Instituto de Letras da UnB, 5 matérias optativas foram propostas e estão em estado de gestação, dependendo apenas da reformulação do currículo para entrarem em vigor. São elas “Ficção Científica”, “Literatura Policial”, “Literatura de Terror”, “Cultura Medieval II” e “Literatura Erótica e Pornográfica” – sendo esta encarada com certa estranheza por alguns colegas.

A próxima publicação de Gilson Sobral será “Entrevista com um Politeísta Grego Esclarecido”, uma coletânea de perguntas respondidas por ele em livro e em DVD, no qual aparece vestindo sua bata profana e a máscara de pan. O lançamento está previsto para novembro ou dezembro desse ano.

E o que diabos seria um politeísta grego esclarecido? Só esperando para ver.

O Rei dos Pífanos



Francisco Gonçalo da Silva, mais conhecido como “Zé do Pífano”. Este é o nome do simpático nordestino vendedor de pífanos que vira-e-mexe pode ser visto na frente do Restaurante Universitário da UnB, entre as quadras do Plano Piloto, na Praça do Relógio ou na Galeria dos Estados. Sempre com um chapéu na cabeça, óculos hi-ban e a fiel companhia de suas flautas – fabricadas por ele mesmo – uma nas mãos e as outras na sacola.

No repertório, Asa Branca, Óia eu aqui de novo e A Volta da Asa Branca, entre muitos outros sucessos do forró e do baião. O som de seu pífano nos transporta para um outro mundo – um mundo mais simples, mas não menos difícil. Pelo contrário, um mundo em que é preciso tirar leite de pedra para sobreviver. Um mundo onde só a música e o namoro podem trazer um pouco de alegria aos sôfregos trabalhadores.

E foi assim que começou a trajetória de nosso “zé”. Francisco da Silva nasceu em São José do Egito, interior de Pernambuco, e desde cedo conheceu a amargura da pobreza, já aos 10 anos tendo que trabalhar na roça para ajudar a família. Mas o interesse de Zé sempre foi outro, e ficava claro quando as bandas de pífanos da região visitavam sua cidade, seja nas novenas de maio ou nas festas de junho.

Tal era o interesse de Francisco que, ainda criança, fabricou, sem a ajuda de ninguém, o seu primeiro pífano, de “talo de jerimum”. E com ele mesmo foi tirando as suas primeiras notas e aprendendo sozinho a tocar o instrumento que viria a tornar-se o seu meio de vida. Seu empenho era tão visível que Pedro Ventura, um velho “pifeiro” da região, presenteou-lhe com um pífano de verdade, para que desenvolvesse melhor o seu talento.

Assim foi que Francisco da Silva passou de admirador a “pifeiro” profissional, formando ele mesmo a sua banda e saindo a tocar de cidade em cidade no sertão de Pernambuco. Em 1973 deixa o seu estado para tentar uma vida melhor na cidade de São Paulo, onde arranja diversos empregos, de pedreiro a marceneiro. Sempre tendo como atividade paralela a música e a produção e venda de suas flautas. Já por essa época abandona seu nome de batismo para passar a ser conhecido como “Zé do Pífano”. De show em show e de andança e andança, vai tornando-se figura popular e aparece em toda sorte de programas de auditório, como Chacrinha, Raul Gil e Sílvio Santos.

Há cerca de quinze anos em Brasília, seu Zé sobrevive hoje exclusivamente de shows e da venda de seus pífanos. Quando perguntado sobre o porquê de ter deixado sua terra natal, Seu Zé diz que é o gosto pela aventura: “gosto de conhecer o mundo de meu Deus, que é muito bonito. Se eu pudesse só vivia andando e passeando, conhecendo a natureza e as coisas bonitas que têm na terra”. Mas, de quando em quando, Seu Zé volta para visitar sua cidade, e se mostra decepcionado com a falta de interesse dos jovens em aprender a arte do pífano. Ainda assim, preocupado em manter a tradição, sempre que vai a São José do Egito distribui flautas às crianças e diz: “Vê se aprende, que isso não pode acabar!”.

Para o jornalista Jorge Frederico, da Agência Senado, a figura de músico ambulante representada por Seu Zé está fadada a desaparecer, dado o modelo de sociedade em que vivemos. “O Zé tá vinculado a uma tradição que tá desaparecendo, a tradição dos artesãos, dos saltimbancos, das feiras” – diz – “é muito difícil, hoje em dia, para o pífano competir com o som dos ônibus e automóveis”. Mas o jornalista confessa achar genial o trabalho do “pifeiro” e acredita que, em meio ao caos urbano, o pífano é um instrumento consolador.